Hoje trago uma página do "Evangelho Segundo a Serpente" da Faíza Hayat.
Mais própriamente, a pág. 7 -- onde o assunto é bem premente: ora vejam!
"Certa ocasião, em Lisboa, na sequência de um desagradável debate académico, uma colega acusou-me de não ser portuguesa: " Como é que alguém com um nome assim pode ser portuguesa? Esse seu nome é árabe..."
Eu sorri: " O seu também! " Ela chamava-se Fátima Medina, ou Alcântara, alguma coisa assim. O meu pai é goês muçulmano. A minha mãe era lisboeta católica. Eu cresci sem espanto nem conflito entre duas culturas, duas línguas, duas formas deferentes de olhar o mundo. Acontece-me com frequência encontrar quem se espante ao conhecer-me: " Sentes-te mais portuguesa ou mais indiana?"
" Sentes-te mais cristã ou mais muçulmana?"
"Sinto-me, creio, mais humana. A religião é uma janela sobre Deus. Um idioma é uma janela sobre a alma. Cresci, felizmente, numa casa com muitas janelas. (...) Sou portuguesa por distracção, isto é, nem me aflige, nem tão pouco me arrebata. Vivo em Barcelona com saudades do meu bairro, a Graça, onde nasci e cresci, e com mais saudades ainda do deserto, que não me pertence nem por nascimento nem por herança cultural, e no qual, todavia, me sinto em casa. (...)
A naturalidade é um acidente, a nacionalidade um artifício. Um clube é uma escolha do coração. Sempre existiram línguas e religiões mas nem sempre existiram países.Parece-me incrivelmente estúpido que alguém mate em nome de um deus ou de um determinado conjunto de referências culturais; mais estúpido, porém, é matar em nome de uma linha a tinta preta assinalada num mapa."
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